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O Tempo Dos Mais Vividos

  O tempo dos mais vividos O tempo terreno funciona como uma enorme e assustadora borracha que tudo apaga. Apaga o passado antes da morte fí...

domingo, 7 de abril de 2024

O Tempo Dos Mais Vividos

O tempo terreno funciona como uma enorme e assustadora borracha que tudo apaga. Apaga o passado antes da morte física. Somos mortos antes do coração, das vias respiratórias e do cérebro pararem. É uma morte precoce.

Mesmo para quem viveu determinado acontecimento e a memória do mesmo permaneça actualizada e pormenorizada, os que o rodeiam deixam de o poder validar, ou porque deixam de existir neste mundo ou porque passamos a estar isolados e por isso impossibilitados de partilhar.

Segundo Eckhart Tolle, o agora, deve ser o nosso foco e é nele que devemos permanecer a maior parte da nossa linha temporal. Devemos remeter o passado e o futuro para o seu lugar próprio, segundo ou terceiro plano e mantermo-nos sempre que possível no agora.

As memórias assaltam-nos a mente e provocam-nos sensações muitas vezes e sobretudo em idades mais vividas, de falta de reconhecimento. 
Os mais vividos ou por serem afastados precocemente e muitas vezes com o argumento de deverem dar espaço aos menos vividos, como se uns, se eliminassem ou se substituíssem, em vez de se complementarem, ou porque se afastam por opcão, doença ou de forma derradeira pela morte, deixam de ter espaço para a partilha de memórias. 

A forma como a sociedade em geral e as organizações em particular, olham e valorizam o conhecimento e o saber construído através da experiência e da vivência da linha de tempo inerente a cada ser humano, tornou-se um obstáculo ao desenvolvimento humano.

Quando falamos de aspectos relacionados com a vida familiar, os mais vividos, vão indo para o além, e vão deixando de poder partilhar emoções, memórias, imagens, episódios, experiências e saberes. Fica um vazio, assustador, quando não consciencializado.

A criatividade e a inovação não passam de usurpações de algo já pensado e concretizado por alguém apagado com a tal borracha, que sem piedade e sem qualquer respeito e dignidade pela existência, tudo julga ter o poder de apagar, remetendo para a linha do esquecimento do tempo, o ser, muitas vezes ainda em carne, mas atirado para a invisibilidade e inexistência ou por conveniência de alguns, ou simplesmente pelo natural fluir do ciclo de vida.

O Ego, reclama-nos a toda a hora a necessidade de reconhecimento pelo facto de estarmos vivos e termos um passado vivido a reclamar. 

Enquanto vivos e manifestando a nossa existência através de várias formas, na família, no mundo do trabalho, nos grupos a que vamos pertencendo ao longo da nossa linha de vida, vamos sentindo esta necessidade de que nos vejam, olhem, que nos reconheçam como seres criativos.

Difícil é comunicar ao nosso ego, quando está na hora de ele se afastar da sua personagem de profissional, de familiar, de amizades, dos grupos de pertença com que ao longo do seu percurso de vida se identificou, que deverá viver o agora em vez do passado, potencializando-o de forma consciente e satisfatória para o seu ser.

Graves problemas de saúde mental, frequentemente atingem as pessoas que viveram mais tempo, quando sentem que a sociedade em geral não respeita e reconhece o esforço de tantos dias, meses e anos de vida.

O ser humano, foi educado e criado para trabalhar, ser um bom trabalhador, quando se vê privado do que julga ser a sua razão de estar vivo, e tendo consciência de que a borracha que tudo apaga, sem ele estar preparado para isso, está a perseguido, sente-se com medo, ameaçado e assustado por poder ser apagado, eliminada, antes do tempo que julga ainda ter para viver.

É na verdade uma morte prematura para quem não foi ensinado, ou aprendeu a viver o agora, desapegando-se da sua personagem de criador de um passado que tem impacto no presente, mas sem ter a referência do passado. Tudo não passa de uma luta de egos!...

 Ana Ferreira Martins

Assistente Social

Supervisora em Serviço Social

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Serviço Social clínico/Assistente Social Clínico



 

O que faz a/o Assistente Social Clínico?

Uma/a assistente social clínico é um profissional que ajuda indivíduos, famílias e grupos a lidar com questões de saúde mental e emocionais. Trabalha com pessoas de todas as idades e origens e oferece uma variedade de serviços, incluindo aconselhamento, terapia e um plano de cuidados. A/O assistente social clínico ajuda os clientes a entender as causas de seus problemas, desenvolver habilidades para enfrentar e encontrar soluções para seus desafios. 

Podem trabalhar em clínicas privadas, hospitais, organismos públicos e governamentais e organizações não governamentais. (IPSS´s, ONG´s)

O que faz a/o Assistente Social Clínico?

consultasocialconsultoria@gmail.com

As/Os Assistentes Sociais Clínicos são responsáveis por fornecer serviços e suporte de saúde mental especializados a indivíduos, grupos e famílias a fim de melhorar seu bem-estar social e emocional. Trabalham com clientes para avaliar suas necessidades e desenvolver intervenções apropriadas, usando uma variedade de abordagens terapêuticas baseadas em evidências. Também fornecem conselhos e suporte em uma variedade de questões, como habitação, benefícios sociais, dificuldades financeiras, relacionamentos, parentalidade e emprego. 

As/Os Assistentes Sociais Clínicos possuem fortes habilidades interpessoais e são capazes de manter limites profissionais ao trabalhar com pessoas vulneráveis. Elaboram relatórios precisos e trabalham, quando necessário em colaboração com outros profissionais.

Assistente Social Clínico Objetivo da função

O objetivo de uma/um assistente social clínico é fornecer suporte social e emocional a indivíduos, famílias, casais e grupos para promover o bem-estar, a resiliência e a melhoria da qualidade de vida. 

As/Os Assistentes Sociais Clínicos avaliam os fatores sociais, psicológicos e biológicos que influenciam a saúde e o funcionamento de um indivíduo e desenvolvem um plano terapêutico para facilitar a recuperação e melhorar o bem-estar.  Proporcionam suporte emocional, intervenção em crises e mecanismos de defesa para ajudar as pessoas a lidar com eventos difíceis da vida ou problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade e abuso de substâncias. 

Trabalham com famílias para ajudá-las a identificar e resolver problemas que possam estar impedindo-os de alcançar um ambiente saudável e estável. As/Os Assistentes Sociais Clínicos colaboram com outros profissionais para garantir uma abordagem holística ao aconselhamento e acompanhamento da situação problema.

Funções da/o assistente Social Clínico 

A/O Assistente Social Clínico é um profissional que fornece suporte e orientação a indivíduos, casais e famílias que enfrentam situações difíceis e desafiadoras na vida, como problemas de saúde mental, abuso de substâncias, deficiência, problemas de relacionamento e outras questões sociais. 

As/os Assistentes Sociais Clínicos usam uma variedade de estratégias terapêuticas e práticas para ajudar as pessoas a desenvolver as habilidades e recursos necessários para lidar melhor com sua situação e alcançar seus objetivos.

Assistente Social Clínico Funções

·        Fornecer aconselhamento e psicoterapia a indivíduos, casais e famílias

·        Avaliar e diagnosticar problemas de saúde mental

·        Desenvolver planos de tratamento e encaminhar para outros serviços quando necessário

·        Advogar pelos clientes com outros profissionais de saúde, escolas e serviços comunitários

·        Manter a anamnese social actualizada e fornecer relatórios regulares

·        Apoiar os clientes na compreensão de seus sentimentos, comportamentos e escolhas de vida

·        Manter limites profissionais e padrões éticos

Assistente Social Clínico Requisitos

·        Formação académica em serviço social e outras específicas em serviço social clinico ou equivalentes

·        Conhecimento da legislação, políticas e procedimentos relevantes

·        Capacidade de desenvolver e manter relacionamentos de trabalho eficazes

·        Capacidade de analisar problemas complexos e tomar decisões bem informadas

·        Excelentes habilidades de comunicação escrita e verbal

Assistente Social Clínico Competências

·        Capacidade de compreender e empatizar com os clientes

·        Capacidade de avaliar os clientes e fornecer terapia apropriada

·        Conhecimento da legislação e regulamentação relevante

·        Capacidade de manter limites profissionais e confidencialidade

Assistente Social Clínico Traços Pessoais

·        Empatia

·        Excelentes habilidades de comunicação

·        Capacidade de construir relacionamentos

·        Habilidades organizacionais

·        Capacidade de lidar com informações sensíveis


consultasocialconsultoria@gmail.com

segunda-feira, 6 de março de 2023

Fenómeno da aculturação em relação às questões de género



Fenómeno da aculturação em relação às questões de género



Trata-se de uma breve abordagem aos movimentos que algumas mulheres em alguns países ocidentais têm vindo a levar a cabo. Logo seguida de um comentário sobre o fenómeno da exclusão social numa perspectiva de género e no final farei uma breve análise do que entendo por aculturação no que se refere à problemática de género nas sociedades ocidentais.

A forma como as mulheres mostravam e expressavam a sua revolta face á marginalização e discriminação a que estavam sujeitas, de direito e de facto, a sua situação na família, no trabalho, na política e, em geral, na sociedade deu-se o nome de movimento feminista.

Há cerca de100 anos atrás, a luta de algumas mulheres menos conformadas com a sua sorte, dirigiam as suas, reivindicações sobretudo, para a elaboração de leis que pusessem termo às discriminações do foro jurídico e que assegurassem ás mulheres os direitos que lhe eram vedados (direito ao voto, á autonomia na celebração de contratos, á educação, acesso ao trabalho, á igualdade de remuneração, etc.).

A este tipo de atitude baseada em reivindicações de direitos, seguiu-se uma outra que apontava essencialmente para a necessidade de criar condições de igualdade de oportunidades aos dois sexos. Pretende-se com isto dar um passo para uma sociedade paritária, pretende-se pôr definitivamente em causa a neutralidade ou ausência de políticas em relação ao género, ou seja deixa-se de ver no masculino o modelo único que engloba em si os dois géneros. O masculino e o feminino.

Trata-se assim de fazer com que as políticas e directrizes governamentais incluem de forma consistente e consequente, a perspectiva de igualdade de género em todas as políticas correntes, no entendimento de que estas sempre se dirigem a pessoas concretas, isto é, a mulheres e a homens, e não a entes abstractos.

Esta abordagem facilita não só a questão da igualdade de género mas também a concepção de democracia no seu sentido de representatividade de todas as cidadãs e de todos os cidadãos que compõem a sociedade.



Democracia plena e participativa

Como é do conhecimento comum, existe hoje em dia uma crise da democracia política, tal como esta vem sendo construída e praticada nos países capitalistas de economia avançada.

Vários indicadores, como o absentismo elevado em actos eleitorais e a fraca participação dos (as) cidadãos (as) na vida política, até ao cepticismo e desconfiança com que hoje é olhada a classe políticas par disto assiste-se ao enfraquecimento do poder dos políticos face ao poder dos media e/ou poder económico, cada vez mais globalizados.

Neste contexto de desinteresse generalizado, é cada vez mais reprovável que uma das metades (metade feminina) continue, na prática, arredada do exercício do direito e do dever da cidadania, que se traduz na representação e participação no processo de decisão política.

A marginalização ou exclusão das mulheres da vida política corrói as bases da própria democracia. Em primeiro lugar, porque, prescinde, quase sem consciência, da participação de metade da sociedade, a sua população feminina, desprezando, assim, parte considerável do conjunto de recursos humanos.

Um grupo de trabalho criado pelo conselho da Europa considerou.

“ É bem evidente que a vontade política necessária à perspectiva integrada da igualdade de género não se obterá sem uma participação real das mulheres na vida pública, e nas tomadas de decisão. É pois essencial que um grande número de mulheres encontrem o seu lugar nessas instâncias, que as suas vozes se façam ouvir em cada decisão, afim de assegurarem que os seus diferentes valores, interesses e modos de vida sejam devidamente tidos em conta”

consultoria em serviço social

Outro assunto que não deixaria de fazer referência nesta dissertação é à do fenómeno de Feminização da pobreza.

Dentro dos grupos afectados pela exclusão social e pela pobreza, uma grande parte é precisamente constituída pelas mulheres.

Existe uma relação especial entre mulheres e pobreza, isto é, que para além de mecanismos mais gerais que afectam igualmente os homens e as mulheres, há mecanismos mais específicos que levam as mulheres à pobreza que as tornam mais vulneráveis. Manifestações destes mecanismos específicos são observáveis nas áreas do emprego, da educação/ formação profissional, da família, da saúde, tal como da habitação.

O termo aculturação pode-se de certo modo aplicar a este fenómeno do género, na medida em que os domínios do feminino e do masculino que de geração em geração estavam abstractamente bem definidos, “ o homem na praça, a mulher na casa”. Nos nossos dias existe uma zona bastante alargada em que se verifica nos dois géneros aculturação em áreas anteriormente pertencentes unicamente a cada um deles.

O espaço privado, que era visto essencialmente como um espaço ocupado pelo feminino torna-se cada vez mais dividido e partilhado por ambos os sexos. Assim como o espaço público que durante séculos foi ocupado pelos homens está progressivamente ao longo das últimas décadas vindo a ser ocupado pelo sexo feminino.

Digamos que o termo aculturação tem a ver com esta situação de transferências de espaços, público e privado, e na sua distribuição e redistribuirão entre o feminino e o masculino.

As lutas pela concretização de ideais são sempre difíceis e por vezes violentas. As mulheres e os homens ocidentais entraram no séc. XXI com contextos e comportamentos sociais em profunda transformação. Únicos no decorrer da evolução do conhecimento e da prática humana.


Há que continuar a lutar por mantê-los e dar-lhes firmeza e consistência, pois dessa luta depende o ideal democrático que nos move e irá condicionar a vida das nossas filhas e filhos.


Ana Ferreira Martins


Intervenção realizada com base num artigo escrito por Maria de Lurdes Pintassilgo no âmbito de um grupo de trabalho criado no Concelho da Europa.


consultoria em serviço social

https://draft.blogger.com/blog/post/edit/4312307639812661879/7423599834756934129

terça-feira, 21 de junho de 2022

O Impacto das desigualdades na vida das mulheres



Em Portugal, como em qualquer parte do mundo, com maior ou menor impacto e visibilidade, as desigualdades de género determinam a qualidade de vida das famílias em geral e das monoparentais dominantemente constituídas por mulheres com filhos a cargo, em particular.

As desigualdades de género manifestam-se, simultaneamente, através do trabalho, da classe social, da cultura, da etnia, da idade, da raça. Nunca ou raramente uma das variáveis se apresenta sozinha. Tratam-se, sempre de causas multidimensionais e sectoriais com uma longa pré-existência no contexto das sociedades humanas.

As consequências menos positivas destas desigualdades, atingem particularmente as mulheres. Para tal contribui a especificidade da sua participação na vida familiar, económica e social: auferem em média salários mais baixos, são mais afectadas pelo desemprego, têm menos protecção social devido a uma participação mais irregular na actividade económica. Por outro lado, com a maior esperança de vida, comparativamente aos homens, as idosas encontram-se muitas vezes em situações precárias, quer do ponto de vista dos recursos económicos, quer pelo isolamento em que vivem (CIDM, Portugal, cit. in Igualdade género, 2003). Actualmente as leis europeias contemplam directrizes especificas no que diz respeito às mulheres de classes etárias mais avançadas. Pois é aí que o impacto das discriminações e desigualdades ao longo da vida, mais se fazem sentir.

Importante referir que dados recentes classificam as mulheres portuguesas como as que despendem maior tempo de trabalho fora de casa, mais próxima da percentagem dos homens, por comparação à maioria das mulheres dos países da comunidade europeia.

Estas questões estão intimamente relacionadas com a ineficácia e em algumas situações inexistência de políticas sociais eficazes no que respeita à conciliação entre a vida profissional e familiar em geral e em particular na vida das mulheres, com particular incidência nas mães. Outro grupo particularmente afectado por situações de pobreza, o das famílias monoparentais de que são responsáveis, maioritariamente, as mulheres. Dados recentes, referem que no total, 43.3% famílias monoparentais encontram-se em risco de pobreza ou exclusão social.

À semelhança da generalidade dos países, também em Portugal se verifica o fenómeno da feminização da pobreza. Se não se dispõe de indicadores directos sobre a incidência específica da pobreza sobre as mulheres, existem, contudo, indicadores que, indirectamente, permitem concluir pela desigual partilha dos recursos económicos entre homens e mulheres, e pela maior vulnerabilidade destas a situações que podem conduzir à pobreza.

As mulheres, continuam a ser, do ponto de vista social, um dos grupos mais vulneráveis

As mulheres enfrentam um maior risco de pobreza. Ao longo das suas vidas, recebem salários inferiores aos homens, têm uma maior probabilidade de ter empregos mal pagos e precários e interrompem temporariamente as suas carreiras para assumir a responsabilidade de cuidar dos filhos ou de outras pessoas.

 Quando se fala de crianças e tendo em conta que estas compõem os agregados familiares e que como também já falamos anteriormente as tarefas ligadas à maternidade e aos filhos continuam dominantemente a fazer parte do quotidiano das mulheres.

Estas situações de desigualdade que ocorrem ao longo da vida acabam por resultar em disparidades salariais, em dependência económica e num maior risco de pobreza, que são particularmente visíveis numa idade mais avançada, por terem pensões menos robustas financeiramente do que os seus pares homens. Estes factos são particularmente preocupantes, na medida em que as mulheres constituem a maioria da população mais idosa da EU

Corrigir a disparidade entre homens e mulheres em matéria de pensões instou Estados-Membros a tomar medidas para resolver a maior prevalência de trabalho a tempo parcial e a progressão salarial relativamente lenta entre as mulheres.

O envelhecimento da população europeia no geral e em particular o das mulheres, tem feito com que a EU tenha feito recomendações aos estados membros no sentido de trabalharem na redução destas desigualdades de género.

 Situações de pobreza e o seu efeito reprodutor "ciclos de pobreza"


A pobreza conduz milhões de mulheres para o caminho da exclusão e, em última análise, para a situação de ser ou estar sem abrigo. Trata-se de um fenómeno com contornos específicos no que se relaciona com as questões de género.

A relação de género formada por homens e mulheres é norteada pelas diferenças biológicas, geralmente transformadas em desigualdades que tornam o ser mulher vulnerável à exclusão social e à pobreza.

Pereirinha (2007) definiu o conceito de mulher pobre como sendo transversal a vários domínios. Assim, para além da ausência de recursos económicos, temos múltiplos aspectos do bem-estar que integram especificidades associadas à mulher. Desta forma, encara-se a pobreza como um estado de privação em termos de bem-estar. Assim, as dimensões de bem-estar apresentadas constituem as principais dimensões de privação do bem-estar associado à mulher. Portugal apresenta, no contexto da UE, uma das maiores taxas de actividade feminina. Em termos de profissão, as mulheres desempenham sobretudo funções nos sectores tradicionais do comércio, do alojamento, da restauração e nos serviços sociais e pessoais. Estas actividades registam muitas vezes formas contratuais de vínculo precário, o que no futuro se vem a reflectir nas pensões de reforma.

O mesmo autor refere ainda que apesar de mais escolarizadas do que os homens, as mulheres portuguesas ocupam geralmente posições hierárquicas inferiores relativamente aos homens, auferem menores remunerações e detêm contratos de trabalho menos favoráveis, quer em termos de vínculo como de horário.

Torres (2005), faz alusão ao facto de tanto homem como mulheres contribuírem com os seus ganhos para o rendimento das famílias. Mas existem acentuadas diferenças de rendimento pessoal entre mulheres e homens. Mais de metade das mulheres têm apenas até 375 euros de rendimento, enquanto aproximadamente a mesma proporção de homens se situa no escalão de rendimento imediatamente acima (376 a 750 euros). O estudo apenas refere existir convergência de rendimentos entre homens e mulheres quando ambos possuem um diploma de ensino médio ou superior.

Segundo a mesma autora, os fracos rendimentos são também outro dos problemas das famílias mais numerosas (com 4 ou mais filhos) e, no outro extremo, das famílias monoparentais. Estas são resultantes, na maior parte dos casos, de situações impostas por abandonos ou separações unilaterais que deixam as mulheres com filhos com graves problemas financeiros.

Além do esforço financeiro suplementar a que as famílias são obrigadas na procura de soluções sócio-educativas e de guarda, privadas, surgem também situações duvidosas, em que a guarda das crianças, embora esteja a cargo das mães, estas, ao mesmo tempo, trabalham, o que nos leva a pensar que muitas delas ficarão em casa sozinhas ou com irmã(o)s mais velho(a)s, maioritariamente irmãs.

“...depois quando ela nasceu eu tomava conta dela, eles iam sair a algum lado, eles tinham sempre onde ir e eu ficava com a filha deles, mais velha da parte do meu padrasto, entretanto depois nasceu a mais pequenina já foi aqui na barraca sei que eu tomei conta delas sempre, eu tratava delas,” (Paula 2,solteira, 25 anos, duas filhas)

Outra reflexão preocupante a propósito das redes de inter ajuda familiar fundamenta-se no facto de se verificar que são as pessoas com mais baixos rendimentos, e que por isso poderiam usufruir mais dos possíveis apoios familiares, que referem que os mesmos são inexistentes ou muito precários (Pereinha, 2007).

O mesmo autor refere que os cuidados das crianças e dos dependentes, idosos ou adultos, continuam a cargo das mulheres e, não havendo respostas públicas suficientes e capazes, são estas que têm que se desdobrar ou mesmo abdicar das suas profissões, para cuidar de quem precisa. Esta situação torna-se mais visível em mulheres que auferem baixos rendimentos e que, portanto, não podem recorrer a apoios privados.

Os estudos realizados mostram-nos que a situação das crianças, continua a ser preocupante, pela conjunção das muito insuficientes taxas de cobertura de equipamentos de apoio à infância, sobretudo até aos 3 anos com as altíssimas percentagens de actividade feminina a tempo completo (Torres, 2005).

É deste conjunto de circunstâncias que resultará que quem menos tem, e quem mais precisa, menos ajuda familiar tem. Os baixos rendimentos dos agregados domésticos e a sua baixa escolaridade média, não deixam de ser também negativamente reveladores. Segundo Torres (2005), é clara a correlação positiva que se estabelece entre instrução e rendimento. Com efeito, quanto maior é o nível de instrução maior é, de forma contínua, o rendimento pessoal. As mulheres domésticas são as menos instruídas e, sobretudo, as mais pobres, sendo ainda a contribuição financeira das mulheres para os rendimentos do grupo doméstico a regra na esmagadora maioria dos agregados inquiridos (Torres, 2005).

Estes agregados são particularmente vulneráveis à pobreza, uma vez que muitos deles dependem exclusivamente do rendimento da mulher.

O facto de nas famílias economicamente mais carenciadas, as redes informais de entreajuda familiar serem menos intensas, dificulta ainda mais a vida das mulheres. Nestas famílias as mulheres também são mais penalizadas pelas assimetrias de poder na relação conjugal, que se traduz, no limite e num número considerável de casos, em violência doméstica (Pereirinha, 2007).

Por tradicionalmente caber às mulheres, para além do seu trabalho fora de casa (profissional), o cuidado dos filhos e das tarefas domésticas, sobretudo nas famílias de recursos escassos, esta situação tende a penalizar mais fortemente a mulher, uma vez que estes agregados não têm meios para contratar serviços de apoio, de outras mulheres (Pereirinha, 2007). Neste caso pode concluir-se que as mulheres mais pobres substituem as mais abastadas nas tarefas domésticas, o que perpetua as desigualdades dentro e fora do mesmo sexo.

São as mulheres que, em situações de sobrecarga, asseguram simultaneamente trabalho pago e não pago, o que se traduz em cansaço e stress associado a esse tipo de relação entre vida familiar e vida profissional. No âmbito do trabalho não pago, as mulheres acumulam as tarefas domésticas, os cuidados com os idosos dependentes e com as crianças. Quanto às mulheres que trabalham no exterior, elas apenas podem diminuir a sua participação nas tarefas da casa diminuindo o tempo a elas dedicado (Torres, 2005).

Pereirinha (2007) acrescenta o facto de a mulher deter tradicionalmente um cariz mais secundário no seio do casal, o que em famílias com um perfil empobrecido dificulta e aumenta a intensidade dos quotidianos das mulheres, em que o tempo livre é praticamente inexistente, comprometendo a sua qualidade de vida e, necessariamente, a sua saúde. Em contrapartida, ressalta-se o facto de os homens despenderem grande parte do tempo em que não estão a trabalhar em actividades de carácter pessoal e de convívio.

O mesmo autor afirma que um factor agravante da situação de pobreza e de sobrecarga social destas mulheres reside no facto de a oferta de equipamentos públicos de apoio quer para crianças para idosos, não ser em número suficiente e que, tradicionalmente e na generalidade, são as mulheres que se ocupam destes elementos do agregado.

Outro factor a ter em conta é o da crescente monoparentalidade, sendo de salientar que em cerca de 80% das famílias (Censo 2001) o representante é do sexo feminino. Estes agregados são particularmente vulneráveis à pobreza e muitos deles dependem exclusivamente do rendimento da mulher.

As redes familiares, através da sua componente feminina, parecem contribuir pelo menos parcialmente para diminuir o impacto da falta de equipamentos para idosos dependentes, sem prejuízo de um conjunto significativo desses idosos se encontrarem sozinhos nas suas casas, tendendo aí a ser também ajudados por familiares mulheres. Segundo Torres esta situação contraria de forma frontal ideias que tendem a apontar a família como não cuidando dos seus idosos. Aqui se mostra que é fundamentalmente com apoios da família que eles podem contar, sendo residual a percentagem dos idosos dependentes que estão em lares (Torres, 2005).

De um modo geral, e ainda no mesmo estudo se faz referência à posição desfavorável da mulher no mercado de trabalho, na família e na vida social em geral ser mais significativa nos meios desfavorecidos. Esta situação traduz-se necessariamente numa percepção diferenciada das condições de vida e do sentimento de pobreza, por parte deste grupo de mulheres.

Os efeitos da reprodução da pobreza, ou seja, famílias com parcos rendimentos e com muitos filhos, dificilmente encontram respostas adequadas às suas necessidades de protecção, de laços afectivos e de uma educação sócio-cultural a todos os níveis.

Cabral (1991) aponta para uma sobreposição dos universos privado e público nas mulheres, ambos dominados pela família conjugal, os familiares próximos e os vizinhos, contrastando com uma maior diferenciação entre os universos privado e público dos homens.

Ainda segundo o mesmo autor, para que os efeitos da socialização conduzam a uma situação mais equilibrada entre homens e mulheres, não é suficiente que as mulheres tenham acesso ao mercado de trabalho, sendo igualmente necessário um grau de envolvimento técnico e social na vida profissional que, segundo o seu estudo, as mulheres nem sempre manifestam. Faz referência ao descontentamento das mulheres relativamente à desigualdade do sistema de oportunidades e recompensas socio-económicas que “não se traduz numa mobilidade nem num radicalismo político superior ao dos homens, antes pelo contrário”.

Chama a esta atitude um “pessimismo pré-cognitivo”, e/ou um sentimento difuso de injustiça e de impotência, que parecem conjugar-se numa espécie de dialéctica negativa, para gerar uma situação de relativa exclusão, não só perante a vida cívica e política, como perante a própria vida social e económica (Cabral, 1991).

O risco de pobreza varia entre sexos. A maior incidência de baixos rendimentos nas mulheres conduz, em Portugal, à semelhança da generalidade dos países, ao fenómeno de feminização da pobreza. Em 2004, 22% das mulheres estavam em situação de pobreza, contra 20% dos homens, sendo as mulheres a apresentar sistematicamente um risco de pobreza mais elevado desde 1995 (PNAI 2006-2008).

Tendo em conta os resultados do EU-SILC de 2018, as mulheres continuam numa situação de maior vulnerabilidade, apresentando valores mais elevados que a população masculina em todos os indicadores. Em Portugal, 24% das mulheres estão em risco de pobreza ou exclusão social, 18% estão em risco de pobreza monetária, 8,2% vivem em agregados com intensidade laboral muito reduzida e 7.2% estão em privação material severa e são elas também quem mais recebe o rendimento social de inserção (51%).

A disparidade salarial entre homens e mulheres chega aos 18% em Portugal, número que sobe para os 26% nos quadros superiores, e anda nos 4% entre praticantes e aprendizes.

As mulheres que trabalham por conta de outrem têm um rendimento médio mensal de 982,5 euros, enquanto os homens chegam a ganhar 1.215,1 euros.

Segundo o Livro Verde Sobre Política Social Europeia (1993), na UE mais de um quarto das mulheres são chefes de família. No livro podemos ler, “Precisamos de políticas destinadas aos homens e mulheres, que facilitem a combinação entre emprego remunerado e cuidados aos filhos”.

A política da família diz respeito a todas as famílias, e não apenas àquelas que se encontram em dificuldades. Há que encontrar o equilíbrio entre família com necessidades específicas e família na generalidade.

“Há que criar horários de trabalho flexíveis, não só no interesse das entidades empregadoras e possivelmente da criação de empregos, mas também para alcançar um equilíbrio entre a vida familiar e a vida profissional” (Livro Verde Sobre a Política Social Europeia, 2005).

As soluções para os problemas acima expostos, apontam para a urgente necessidade de encontrar um sério compromisso entre a vida familiar e profissional, tendo em conta cada especificidade do agregado familiar.

As políticas salariais deverão ter em conta para trabalho igual, salário igual e não serem discriminatórias no que diz respeito ao género.

Deverão aplicar-se políticas sociais que protejam as famílias com baixos salários ou mesmo inexistência dos mesmos de forma a prevenir discriminação de género, nomeadamente em relação às famílias monoparentais dominantemente geridas por mulheres.

É urgente que se passe dos textos bem-intencionados para a real aplicação das medidas que podem evitar a discriminação entre homens e mulheres, para que tal aconteça a pedagogia comportamental e psicossocial tem que ser realizada nas escolas e na família. As sociedades são vividas e não lidas, o que faz com que seja necessário trabalhar na mudança de atitude e de pensar, no seio das políticas sociais e na aplicação dos princípios universalistas da constituição portuguesa e das directrizes europeias e mesmo internacionais. (ver plano igualdade género) último.

Estes aspectos focados ao longo do texto, residem essencialmente na clara necessidade de para trabalho igual salários iguais, na não discriminação de oportunidades das mulheres assumirem não só cargos de chefia intermédia, mas sobretudo na política, no mundo empresarial e a associativo, cargos de topo, que embora as mulheres sejam em maior número em cargos de chefia, quando se olha para as presidências são sobretudo os homens que lá chegam, mesmo em mundos dominantemente femininos como os da educação e da ação social.

A divisão do trabalho doméstico continua a ser discriminatória colocando horas extraordinárias a mais no quotidiano das mulheres.

Para melhorar o posicionamento da mulher na sociedade, são precisas, políticas sociais, ao nível da educação, do serviço social, das políticas salariais, da cultura e do desporto, entre outras dimensões da vida humana, como a religiosidade e ou a espiritualidade, alinhadas com as situações atrás diagnosticadas, que não se limitem a ficar no papel, mas que tenham um impacto efectivo na vida das sociedades humanas em geral e na vida das mulheres em particular.

MARTINS, Ana Maria Ferreira, As Sem Abrigo de Lisboa – Mulheres Que Sonham Com Uma Casa – Chiado Editora, 2017

TORRES, Anália Cardoso, Silva, Francisco Vieira, Monteiro, Teresa Líbano, Cabritas, Miguel (2005), Homens e Mulheres entre Família e Trabalho, Lisboa.

PEREIRINHA, José António, et.al.(2007) – Género e Pobreza; Impacto e determinantes da Pobreza no Feminino, - CIG - Lisboa

https://www.eapn.pt/documento/577/indicadores-sobre-pobreza-dados-europeus-e-nacionais-outubro-2018

segunda-feira, 18 de abril de 2022

O Serviço Social em Tempos de Grande Exploração da Miséria Humana


Consultoria
 em Serviço Social
Ana Ferreira Martins
Assistente Social

O serviço social é a ciência com uma maior eficácia no exercício da intervenção social através do acompanhamento e aconselhamento social. Estabelece-se através da relação de ajuda um grau de confiança essencial, entre a/o assistente social e a pessoa que procura ajuda.


Há muito que manifesto, o desagrado em ver expostos publicamente os rostos e identificação das pessoas em acompanhamento social.

Os motivos são óbvios e têm duas claras dimensões, por um lado o que tem mais relevo no serviço social que são os valores éticos e por outro a salvaguarda legal da sua identidade.

A comunicação social e mesmo empresas e organizações com responsabilidades sociais, expõem sem pudor rostos de crianças e de adultos, com fins de aumentarem as audiências e ou os seus proveitos financeiros. Utilizam as redes sociais e outros canais de divulgação para o efeito.

Esta abusiva utilização da imagem e identidade das pessoas que procuram ajuda junto das organizações que lhes prestam auxilio, alimentar, de vestuário e ou através de outros serviços sociais mais ou menos qualificados para o efeito, tem um impacto negativo no já descriminado quotidiano de vida destas pessoas e suas famílias. Muitas vezes fruto da sua situação de fragilidade perante a situação de carência em que se encontram, por não terem consciência do impacto da sua exposição mediática, pois nasceram, vivem e nem pensam vir a sair da situação miserável em que se encontram, aceitam, muitas vezes com receio de perder algum apoio, assinar uma autorização para que a sua história, imagem seja publicada.

Sendo uma das competências da/o assistente social, zelar pela integração e diminuição dos potenciais factores de exclusão das pessoas e suas famílias, a exposição de rostos de pessoas em geral, independentemente da idade, mas e sobretudo de crianças, mesmo tendo a autorização dos mesmos ou dos encarregados de educação é um acto discriminatório, que não facilita a sua inclusão.


Cabe ao serviço social, através das/os assistentes socais no terreno informar e esclarecer dos riscos e dos direitos que as pessoas têm em relação à sua imagem e identidade e do impacto que esta exposição pode ter na sua vida profissional, escolar, familiar e social em geral.

Para quem trabalha directamente com as pessoas, esta exposição que muitas vezes é solicitada, por terceiros, e que pretende dar visibilidade às situações com outros fins, justificando a necessidade de financiamentos, que de forma geral são parcos para quem desenvolve actividade na área social, provoca um sentimento difícil de gerir e aceitar. Por um lado, o compromisso ético que mantêm a relação de confiança com quem nos procura para aconselhamento social e por outro os interesses de sustentabilidade financeira.

Nestes casos e com vista a salvaguardar a diferente natureza dos interesses em jogo o serviço social deverá sempre e em primeiro lugar salvaguardar o interesse da pessoa em acompanhamento, e se assim se justificar, sugerir outras formas de exposição, nomeadamente através de imagens desfocadas, de costas, e ou de outras formas, que evitem que a pessoa seja identificada.

No caso de a pessoa em acompanhamento social, demonstrar claro interesse em expor o seu caso, não constituindo para a mesma motivo de discriminação, a/o assistente social deverá ser um/a facilitador/a e pedagogo, no decurso da ação.

Em última análise o parecer da/o assistente social deverá ser sempre tido em conta e senão determinante na exposição de alguém em acompanhamento social.


Ana Ferreira Martins

18/04/2022

sexta-feira, 11 de março de 2022

Como Partilhar Saberes?

 Como Partilhar saberes?



Tudo está bem, quando não é posto em causa!...

O saber é também ele uma ratoeira, pois coloca-nos numa situação de suposta superioridade sobre as outras pessoas!...

A verdadeira humildade advém do facto de percebermos onde acaba o nosso orgulho no que somos e no que sabemos e começa a pura liberdade de sem preconceitos nem sentimentos controversos e duais de superioridade partilharmos naturalmente esse saber, sem que internamente nos sintamos postos em causa por outras pessoas que de forma propositada ou não, tentam também elas defender com unhas e dentes as suas convicções!...

Só esta consciência do processo interno de gestão de conflitos interiores nos pode colocar numa atitude verdadeira de cooperação e partilha seja ela em que dimensões do saber seja!...

Não basta ler a teoria ou mesmo compreendê-la e dela ter consciência. É preciso integrá-la e interiorizá-la.

A experiência e o saber dela decorrente coloca-nos numa posição constrangedora em relação a quem começa de novo. Sobretudo se usarmos esse saber e essa experiência como arma de arremesso sobre as outras pessoas. A verdadeira sabedoria consiste na humildade de reconhecer o nosso e o da outra pessoa processo de conhecimento e adaptarmo-nos à optimização da relação pretendida.


Penso que é nesta conexão que reside o processo da comunicação inter-geracional e inter-disciplinar.

É na inter-relação que estabelecemos com as pessoas que nos revelamos como seres humanos em variadas dimensões. Sim, o conhecimento e a partilha deste, tem que ser encarado de forma multidiversificada e multidisciplinar, sem essa sabedoria não há verdadeira partilha.

Como fazê-lo? Só mesmo olhando para dentro de nós e identificar as nossas próprias resistências e lugares adquiridos como inquestionáveis!...Não é fácil, nem sei se na prática isto é possível.

Temos um Ego que não nos permite despir da nossa “persona” idealizada e projectada!...façamos um caminho consciente desta dificuldade e poderemos melhorar a nossa inter-relação com as pessoas. 

Consultora em Serviço Social - Assistente social e Professora Universitária
 Ana Ferreira Martins

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

A habitação como um direito determinante de inclusão social


A habitação como um direito determinante de inclusão social
A habitação como um direito determinante de inclusão social



“cada pessoa vive em uma casa de quatro cômodos: um físico, um mental, um emocional e um espiritual. A maioria de nós tende a viver em um dos cômodos a maior parte do tempo, mas a menos que entremos em todos os cômodos todos os dias, mesmo que somente para mantê-los arejados, nós não estaremos completos”.
Rumer Godden


A habitação em que vivemos é muito mais que uma casa, é um importante vínculo que estabelecemos com a sociedade e com as pessoas que dela fazem parte.

A habitação é claramente um factor identitário da pessoa humana. Poder-se-ia mesmo adaptar o ditado, “diz-me com quem andas” dir-te-ei quem és, com “diz-me onde moras e dir-te-ei quem és”. Para além do seu caracter mais pragmático e utilitário, integra, uma forte carga psicossocial, que determina não só a forma como a sociedade olha para nós, como e sem dúvida mais importante, como a própria pessoa se olha e se sente perante a sua realidade habitacional e o que isso simboliza no seu quotidiano.

A habitação não só representa um espaço de proteção, segurança, privacidade, repouso, como também simboliza o prestígio social de quem a habita e isto é assim desde os tempos mais remotos em que as grutas eram a nosso “lugar seguro”. Falar de habitação é falar de uma dimensão psicossocial que nos remete para um universo associativo de emoções e sentimentos, ligados ao conceito de lar, sentimentos de segurança, intimidade, harmonia, laços afectivos, conforto, bem-estar. Lar por maior que seja, é sempre “um cantinho só nosso”, onde nos podemos encontrar em segurança, sozinhos ou com as pessoas de quem gostamos, amamos.

No contexto do desenvolvimento das sociedades humanas o acesso a uma habitação segura, que nos confira sentimentos de protecção, privacidade e conforto, desde cedo sempre teve um papel relevante no quotidiano e nas relações sociais intrínsecas às mesmas.

Ter acesso a uma habitação adequada, condigna e segura, é ainda um sonho de muitas pessoas, sendo a mesma, condição necessária para se conseguir chegar a um conjunto de direitos e deveres que nos permitem desenvolver uma melhor qualidade de vida. Estes incluem o direito à educação, o direito ao trabalho, o direito à protecção social, o direito aos cuidados de saúde e à vida em família, entre outros.

O acesso à habitação é uma das maiores dificuldades com que os cidadãos e as cidadãs da União Europeia e diria mesmo do mundo, têm sido confrontados. Os governos tentam as mais variadas formas de minimizar esta situação de acordo com os seus modelos ideológicos, fazendo opções sobre os montantes que podem ou querem atribuir a esta dimensão das sociedades humanas.

Pouco se fala, e aprofunda através de investigação social, sobre o impacto psicossocial do fenómeno da habitação e da sua inter-relação com a vida e dinâmica constitutiva dos grupos

sociais, mas ele é sem dúvida determinante na potencial mobilidade sócio económica e no bem-estar das pessoas.

Quando se fala de habitação o olhar holístico sobre o fenómeno é absolutamente necessário. Só desta forma a habitação serve o seu propósito. Ela funciona como o elo de ligação entre aspectos mais íntimos e interiores da pessoa e a sociedade que a rodeia, o trabalho, os/as amigos/as, os cuidados de saúde, a higiene entre outras dimensões da vida humana. A casa simboliza o templo onde a pessoa se refugia em momentos de dor e que abre as portas em momentos de partilha e de festa. A casa é, quando se quer, uma ponte entre o eu e as outras pessoas. Essa ponte é levadiça e é isso que nos permite gerir todas as inter-relações e comportamentos de abertura ou interioridade de forma a servir os nossos propósitos.

O conceito de habitação é muito mais do que quatro paredes. Vista como um lar, é um conjunto de atributos que proporcionam equilíbrio, bem-estar, protecção, saúde física e psicológica, entre outras variáveis que quanto menor for a capacidade socioeconómica das famílias, maior é a dificuldade em as assegurar.

Portugal foi um dos primeiros países Europeus a declarar na sua Constituição em 1976 que:

“1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:

a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;

b) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais;

c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada;

d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.

3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria” (Constituição da República Portuguesa, 1997).”

Contudo, até aos finais dos anos 90, as políticas de habitação social, não foram capazes de responder às necessidades dos mais pobres. Só em meados de 90, o programa especial de realojamento (PER) tornou possível enfrentar, de uma forma mais adequada, os problemas de milhares de famílias que viviam há décadas em barracas e em habitações degradadas.

Recentemente a 5 de Julho de 2019, foi aprovada a primeira Lei de Bases da habitação, onde é referido que o “Estado é o garante do direito à habitação” e que este deve promover o uso das habitações públicas que estejam devolutas, incentivado também o uso das habitações privadas que estejam na mesma situação, sobretudo em zonas centrais. O Estado deverá colocar imóveis públicos em programas destinados ao arrendamento, fomentando o acesso à habitação com rendas compatíveis com os rendimentos das famílias.

Refere ainda:

“Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” pode igualmente ler-se, da “efectiva garantia desse direito a todos os cidadãos”, o diploma estabelece a função social da habitação.

Aguarda-se ainda a avaliação do impacto desta lei no tecido social do país.

A nível Europeu, a Comissão Europeia não possui estudos sobre este fenómeno que ameaça a coesão social e degrada o modelo social Europeu.O primeiro objectivo, dos objectivos comuns sobre a pobreza e exclusão social acordado no conselho europeu de Nice em Dezembro de 2000, foi estabelecido:

“lançar políticas que tenham como objectivo o acesso de cada pessoa a habitação decente e salubre, bem como aos serviços essenciais necessários, atendendo ao contexto local e a uma existência normal nessa habitação”

O segundo objectivo, estabelece uma meta mais concreta: “Criar políticas destinadas a evitar rupturas em condições de existência susceptíveis de conduzir a situações de exclusão social, nomeadamente no que se refere aos casos de sobreendividamento, exclusão escolar ou perda de habitação”.

Será possível imaginar uma mudança de paradigma que faça da UE um actor da construção de políticas de habitação universais? Podemos vislumbrar algumas novidades em iniciativas como a Parceria pela Habitação na Agenda Urbana da UE, ou o Pilar Europeu dos Direitos Sociais aprovado pela Comissão, que inclui a habitação entre os direitos fundamentais: novidades ainda frágeis e com pouco impacto concreto, que, porém, testemunham a emergência de novas e diferentes sensibilidades. Será possível concretizar a coesão territorial, que se encontra nos tratados europeus e ao mesmo tempo garantir a estabilidade financeira, que permita uma diferente atitude na relação entrere o estado social, e a habitação?

Existem algumas boas investigações de referência, que fazem uma abordagem séria e detalhada sobre a evolução habitacional em Portugal, durante o Estado Novo e após o mesmo. A nossa história está repleta de boas práticas que tiveram sem dúvida sucessos inegáveis e visíveis. Exemplo disso são em 1940 o bairro da encarnação e em 1955 o bairro dos Olivais planeados para colmatar a precariedade habitacional das pessoas mais carenciadas, sendo ainda hoje um bom exemplo de práticas inclusivas, inspiradas na altura em modelos nórdicos. Contudo, não

foram os suficientes para que a habitação se tenha tornado, como proclamado na nossa constituição, um direito acessível a qualquer cidadão ou cidadã nacional.

Falar de pobreza, é equacionar e inter-relacionar um conjunto multifacetado de variáveis transversais a todo o tecido socioeconómico. Indicadores como o desemprego, os salários baixos, problemas com adições, como por exemplo o alcoolismo, rupturas familiares, violência doméstica, baixa escolaridade, dificuldade no acesso à educação, ao desporto, à cultura, serviços de saúde, entre outros aspectos relacionados com o bem-estar e justiça social das sociedades humanas, tem um peso determinante na capacidade em aceder a uma habitação que permita a cada pessoa obter numa abordagem holística do ser humano, os níveis desejáveis e necessários ao seu bem-estar físico e psicológico.

Segundo os estudos e pelo que nos é dado a observar na prática da intervenção social, o investimento do estado social na habitação, social ou pública, continua claramente a ser insuficiente. Sobretudo nos grandes aglomerados populacionais e à luz das necessidades das pessoas. Factores como a relação entre o preço e a qualidade, tendo em conta as áreas contempladas, são claramente inibidores na intenção e necessidade por parte das famílias, quando tentam aceder na uma habitação condigna de acordo com os seus rendimentos.

De acordo com um estudo apresentado em 2015, pode-se verificar que entre 1987-2011, dos 9,6 mil milhões de euros investidos em políticas de habitação, 73,3% foram destinados para apoios à pessoa, nomeadamente para bonificações de juros no crédito à habitação, sendo que apenas 16,1% foram aplicados em programas de promoção directa e 0,1% em programas de promoção indirecta. Conclui-se, que nos últimos 45 anos a “estratégia” habitacional consubstanciou-se na bonificação de juros no crédito à habitação, tendo aglutinado o esforço financeiro e colocando em segundo plano as restantes opções, como a promoção indirecta ou a promoção directa de habitação social.

O salário mínimo (631 euros, desde 1 Janeiro de 2020) e médio (1.276 euros, em 2019) em Portugal é claramente desajustado em relação aos preços das habitações para arrendamento e a possibilidade de endividamento para o resto da vida, para poder ter acesso a uma habitação acessível e condigna, faz com que as famílias despendam mais do que o razoável da fatia do seu ordenado para pagar a casa.

Esta realidade afasta as pessoas das dimensões determinantes de bem-estar global, das suas vidas, tais como o acesso à educação, à saúde, ao desporto, à cultura e a toda uma diversidade vivencial a que grande parte dos cidadãos e cidadãs não podem usufruir, pois implicam gasto de dinheiro.

Não restam dúvidas que um dos maiores problemas económico-sociais das sociedades onde é suposto o estado social, ter um papel na gestão dos dinheiros públicos, dos descontos feitos pelos contribuintes, é o do preço desajustado a uma habitação com níveis de qualidade alinhados com políticas sociais de bem-estar psicológico e físico dos agregados familiares, independentemente da sua classe socioeconómica.

Como exemplo do que acima foi exposto, podemos referir a realidade que passámos muito recentemente nos últimos meses em Portugal, pelo efeito do Covid19. Muitas das crianças e seus familiares na premência de aceder à telescola e ao teletrabalho, tiveram enormes dificuldades em fazer a gestão da variável, espaço habitacional. Constatou-se que para além de haver crianças que tinham que ocupar a cozinha da casa ou dividir a sala com outro, ou outros elementos da família, pois o espaço da habitação não permitia um espaço individualizado para realizar o pretendido, fosse telescolas ou teletrabalho, foi igualmente claro de que o equipamento informático que tinham ao dispor, não cobria de todo as necessidades do agregado. Nas instituições sociais choveram pedidos, não só de comida, dinheiro para pagar as despesas da água, luz entre outras, mas também e com uma grande premência, de material informático. Estas dificuldades foram sentidas com mais intensidade em famílias pobres que habitam casas sobrelotadas.

Para além da clara diferenciação habitacional no que se refere ao estatuto socioeconómico, existe também uma diferenciação de género e de raça. Importa assim, fazer uma abordagem mais focalizada no que diz respeito ao acesso à habitação dos diferentes grupos.

Em regra, as mulheres têm profissões com remuneração inferior aos homens e embora existam medidas que protegem as mulheres com filhos, enquanto estes estão dependentes das mesmas, o mesmo não se aplica às mulheres sós, o que faz com que as mulheres sejam claramente discriminadas no acesso à habitação. Variáveis como o sexo e raça, dificultam o acesso ao arrendamento. As mulheres sós levantam muita falta de credibilidade em relação à sua capacidade em assegurar os contractos de arrendamento. Igualmente pessoas de diferentes etnias podem sofrer com atitudes discriminatórias no momento da concretização do arrendamento. Pela sua situação de precariedade económica o acesso ao crédito está fora de questão.

Sociedades inclusivas, democráticas e onde o estado social tem a responsabilidade de proteger os seus cidadãos e cidadãs, deveriam promover iniciativas que criassem o número de habitações socais que pudessem garantir uma habitação condigna adaptada à situação particular de cada família e ou pessoa.

Medidas específicas têm sido seguidas pelas políticas ao nível da habitação, um exemplo inovador em Portugal, embora em certos países da Europa, como a Áustria, Alemanha, Reino Unido, Suécia, entre outros, seja uma prática com mais de 20 anos, o modelo de intervenção designado por Housing First, nos últimos anos em Portugal tem ganho adeptos.

Esta abordagem metodológica, nasceu associada ao fenómeno das pessoas em situação de sem abrigo. Trata-se de uma resposta focalizada num grupo muito específico de pessoas com necessidades de acompanhamento social durante o processo de atribuição de casa. Tem demonstrado excelentes potencialidades não só ao nível de inclusão habitacional e por conseguinte social, como também de redução de custos ao nível da segurança social.

A situação das pessoas sem-abrigo, merece alguma relevância quando se fala de habitação, pois tornou-se consensual por toda a europa, que a habitação é uma variável determinante no acompanhamento social levado a cabo pelas equipas de intervenção social que trabalham com esta população.

Há mais de 2 décadas que Portugal se tem feito representar a nível Europeu, na FEANTSA, Federação Europeia das Associações que Trabalham com Pessoas Sem Abrigo. Sendo neste momento representado pela AMI no Conselho de administração da referida associação. Esta instância europeia desenvolveu a tipologia ETHOS, que coloca a habitação como prioridade na intervenção social a realizar com a pessoa em situação de Sem Abrigo.

Uma das grandes mais-valias da metodologia, Housing First, consiste no facto de implicar o arrendamento integrado num contexto habitacional mais alargado, o que sem dúvida alguma, retira o estigma que a pessoa em situação de sem-abrigo muitas vezes transporta com ela ao longo de demasiado tempo da sua vida.

Se em alguns países da europa, como por exemplo a cidade de Gotemburgo, na Suécia, fez desta metodologia de intervenção uma bandeira para resolver o problema habitacional das pessoas em situação de sem abrigo, em Portugal, só na última década surgiram as primeiras respostas de Housing First, dirigidas a pessoas em situação de sem abrigo com problemas de saúde mental. A tendência actual é para o seu alargamento às pessoas em situação de sem abrigo em geral.

A execução e aplicabilidade dos projectos de Housing First, requerem financiamentos públicos que permitam de forma sustentável viabilizar uma resposta habitacional realista a quem já fez da rua a sua casa. As instituições financiadoras e gestoras em colaboração com as equipas de intervenção social, compostas por assistentes sociais com formação específica na gestão de projectos, nesta área, possuem um papel determinante na capacidade de gestão destes lares. Pois a pedagogia social, ao nível da higienização, ocupação e gestão do espaço, assim como o acompanhamento social e psicológico das pessoas acompanhadas por esta resposta habitacional, multifacetada e multidisciplinar, desempenha um papel determinante na sua concretização.

É de realçar a urgência em estes financiamentos estarem alinhados com a realidade das políticas ao arrendamento existentes de acordo com o perfil de cada cidade, pois caso esse alinhamento não seja feito, corre-se o risco de arrastar o problema de falta de condições existente na rua, ou em outros tipos de respostas encontradas pelas pessoas sem abrigo, para uma resposta habitacional que perpetue a situação de exclusão habitacional e social.

Como exemplo, temos casas com falta de obras de manutenção e de conservação, com instalações sanitárias degradadas, arejamento deficiente e ou falta de aquecimento no inverno. Situações que dificultarão a inclusão da pessoa que sai da rua e que precisa de uma casa fácil de manter higienizada. Este é um dos aspectos que mais dificultam a ação das equipas de acompanhamento social, pois a pedagogia de educação para a aquisição de hábitos de

higienização nem sempre é facilitada pelas condições físicas da uma casa. Proporcionar uma casa não equivale a criar condições para que a pessoa a sinta como um lar.

Com o propósito de melhorar de uma forma holística o bem-estar da pessoa, cabe ao serviço social elaborar o diagnóstico global e individual e intervir com um saber fazer, inclusivo, inter e transdisciplinar, promovendo e desenvolvendo atitudes facilitadoras que estimulem o espirito colaborativo e a participação activa da pessoa, de acordo com a sua nova situação de vida. Neste processo a intervenção do serviço social, através da actuação das/dos assistentes sociais especializada/os, torna-se imprescindível para o sucesso do trabalho de inclusão com a população atingida por esta metodologia.

A aplicação de metodologias criativas, que estimulem, valorizem e dotem de capacitações os inquilinos em situação de precariedade social, facilita o alinhamento entre as reais capacitações da pessoa a quem é facultado o acesso a uma casa, e a gestão do seu quotidiano ao nível das rotinas de higienização pessoal e do espaço que habita, e ainda no acompanhamento em tarefas que desenvolvam a sua atitude de co-responsabilização, como por exemplo, o pagamento atempado da renda, da água, da luz, do gás, assim como a gestão desses bens e toda a boa manutenção da casa.

De grande importância reveste também, o trabalho de valorização das componentes relacionais, com o senhorio, com os outros condóminos, sem descurar o persistente e continuado aconselhamento social nas vertentes, de integração no mercado de trabalho, de modo a atingir o propósito final do projecto, que é autonomizar o inquilino de forma a garantir e facilitar o seu acesso a todas as dimensões que um ser humano requer para assegurar o seu bem-estar, tais como a prática do desporto, o acesso à cultura e por último, mas talvez a mais importante à sua saúde física e psicológica.

Com este lar, vem também a potencialidade de desenvolver capacitações ao nível da responsabilização e dos deveres que por vezes durante muito tempo a pessoa na rua pode ter negligenciado. A/o assistente social é sem dúvida o elo decisivo no estabelecimento de vínculos que possam num futuro próximo autonomizar a pessoa neste processo de mudança do espaço publico rua, para o espaço privado de uma casa.

É de realçar a urgência destes financiamentos estarem alinhados com a realidade das políticas ao arrendamento existentes de acordo com o perfil de cada cidade, pois caso esse alinhamento não seja feito, corre-se o risco de arrastar o problema de falta de condições existente na rua, ou em outros tipos de respostas encontradas pelas pessoas sem-abrigo, para uma resposta habitacional que perpetue a situação de exclusão habitacional.

Tratando-se de projectos financiados por dinheiros públicos, estes têm sido sujeitos a concursos e adjudicados a instituições particulares de solidariedade social e ou equiparadas. Os financiamentos dos projectos, não têm precavido os financiamentos mínimos necessários para um arrendamento no seio das comunidades onde é suposto virem a implementar-se. Correndo sérios riscos de muitas vezes tornarem-se formas melhoradas de reprodução de estilos de vida

adquiridos na experiência de estar sem-abrigo na rua. Impossibilitando a reabilitação do estigma e da situação de precariedade económica e social e neste caso específico, habitacional, em que a pessoa sem-abrigo sempre viveu.

É por isso importante que os poderes públicos que em consciência querem recorrer a metodologias do tipo housing first em vez de aumentarem o mercado da habitação social ou outras formas de viabilizar o arrendamento para grupos socioeconómicos mais desfavorecidos, revejam os financiamentos adjudicados, de modo não só a garantir a atribuição de casas a quem necessita, como também o acompanhamento e aconselhamento social durante o tempo necessário á persecução dos projectos.

Este tipo de metodologia, apesar de implicar um investimento inicial, acaba por ser uma mais-valia para a economia do país. De acordo com o The Guardian, a Finlândia conseguiu economizar 15 mil euros ao ano, por cada sem abrigo que o projecto acolheu, em serviços de saúde, sociais e sistemas de justiça.

Conclui-se que o acesso à habitação é um direito contemplado na Constituição Portuguesa e uma das chaves principais de inclusão social. Há a necessidade de assegurar que as pessoas e famílias mais vulneráveis e desfavorecidas tenham acesso à habitação a preços acessíveis. É essencial que as pessoas e os grupos em risco tenham o acompanhamento e aconselhamento social adequado, de forma a permitir uma optimização de práticas de higienização e de gestão do lar e de gestão holística e multidisciplinar das diferentes dimensões constituintes do ser humano.

Resta desejar de que o impacto das recentes reflexões por parte do tecido político e que se concretizaram na aprovação da lei de bases da habitação se reflicta na melhoria das condições de vida e na efectivação da equidade e justiça social no contexto do quotidiano da vida das pessoas.

Ana Ferreira Martins

Editado na revista da EAPN em 2021

Bibliografia:

1997, Barros C.P & Santos, J.C.G. (coordenadores). “A habitação e a reinserção social em Portugal” Ed. Vulgata. Lisboa

2012, Castro, S. (coord.) Costa, S. Santos, M. Antunes, M.J.L. Guerra, I. “A cidade incerta. Barómetro do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa” Ed. EAPN Portugal/rede Europeia Anti-Pobreza. Porto

2015, Costa,S.(coord.), Santos, M. & Guerra, I. “Evolução na continuidade. Barómetro do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa – Fase II” Ed. EAPN Portugal/rede Europeia Anti-Pobreza e Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa. Lisboa

2002, Edgar, B. Doherty, J. Meert, H. “Access to housing. Homelessness and vulnerability in Europe” Ed. The Policy Press. Bristol